Elas, eles e os dois

Duas colunistas de jornais de grande circulação resolveram duelar pela definição do que é a mulher contemporânea, fazendo espelho para um grupo seleto de mulheres de boa escolaridade, bons empregos, bom padrão de consumo, bom gosto e bom repertório cultural. Interessante isso.

Interessante observar a definição de autonomia e emancipação apresentada nos dois jornais. Os dois textos foram escritos por mulheres que divergem no discurso, mas convergem ao criar um rótulo contemporâneo, com design arrojado feito de material reciclável, em substituição ao anterior feito em gráfica com papel off-set, para colar na mulher de hoje. Interessante também como a figura homem aparece em ambos os textos. Num deles, o homem contemporâneo não suporta a mulher de sua época, pois, na sua primitividade, não consegue compreender o avanço feminino. No outro, o homem veste o avental e vai para a cozinha cumprir o papel que outrora foi exclusivo das mulheres. O machismo selvagem e a submissão masculina. Vingança? Revanche? Placar meninos 1 x meninas 1? Não sei. Talvez Freud, Lacan, Jung consigam explicar isso. Mas, o interessante mesmo é observar que ambos os textos fixam a mulher num tempo, num espaço e numa determinada condição, da mesma forma como sempre foi, desde que caíram nossos pelos, descemos das árvores e começamos a destruir o mundo. Mudou o rótulo. Não a necessidade de rotular.

Discutir o que afasta homens e mulheres de um relacionamento afetivo, ou o que torna difícil que ele aconteça, é suprimir uma questão fundamental e reduzir a relação homem-mulher ou mulher-homem (para não causar desconforto a nenhum dos grupos) aquela velha rixa escolar de “meninas são frescas” e “meninos são burros”. Hoje, um dos pontos fundamentais que afastam homens e mulheres é a nuvem sombria da individualização. A condição humana contemporânea tende ao isolamento. Se considerarmos o padrão estabelecido em ambos os textos temos de um lado a mulher que se soltou das amarras da Amélia do Mário Lago e do outro o homem que correu para o fundo da casinha como um poodle assustado. Mas, se nos afastarmos dessa cena lugar-comum veremos os dois, homem e mulher, aterrorizados pela possibilidade de se perder de si dentro de um relacionamento. A mulher bem resolvida e o homem bem resolvido se bastam. E um teme o outro. Temem perder a caracterização do personagem que o teatrinho mal feito da contemporaneidade criou. A mulher atual não pode ser desejosa de um formato de relação parecido com o da sua avó. O homem de hoje não pode mais caber no figurino do homem provedor que seu pai vestiu. Na fuga dos antigos padrões está se caindo na armadilha de outro, igualmente limitado e castrador: o padrão contemporâneo da insuficiência. Ninguém “serve”. Ninguém é suficiente para compor um conjunto de sucesso (o que é sucesso, afinal?). E nesse jogo de insuficiências vale o empate em argumentos infantis e rasos para justificar o fracasso coletivo de não saber se relacionar.

Dos dois textos gostei mais do segundo, que teve um tom menos dramático e um pouco de ironia. Do discurso? Não gostei de nenhum. É interessante observar que as pessoas buscam, cada vez mais, respostas para suas angustias tão suprimidas pela velocidade com que corre a vida. Embora um tenha o argumento de expor o machismo da modernidade e o outro queira desmitificar a super mulher, o tema central dos dois textos (talvez as autoras não tenham se dado conta disso e haja psicologia para explicar...) é o anseio de uma boa relação. Uma conclui que não se relaciona porque não há um homem suficiente para o que ela é. A outra demonstra que tem um par e ele está afinadinho com a mulher moderna.

Afinal, quem quer estar só?
É uma necessidade humana encontrar uma mão para atar a nossa. Porém, as duas autoras falham ao reduzir essa condição a um duelo de gêneros.

Por isso, antes de discutir quem é quem na crônica relacional do século XXI, é preciso voltar um pouco se perguntar se estamos seguros do que somos, com nossos valores, preconceitos, crenças e expectativas. Não. Não acredito na resposta pronta. Mas olhar para si e lembrar que existe um outro padecendo das mesmas dúvidas, inseguranças e medos é uma forma bem interessante de começar a se reconhecer como ser individual. Arrancar os rótulos e despir-se dos figurinos é a maneira mais sincera e honesta que há para viver. Seja só ou com um par.

* os textos em questão são:
http://blogs.estadao.com.br/ruth-manus/a-incrivel-geracao-de-mulheres-que-foi-criada-para-ser-tudo-o-que-um-homem-nao-quer/

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/06/1476515-a-incrivel-geracao-das-mulheres-chatas.shtml

1 comentários:

Silvia disse...

A Fer voltou a escrever :D
Perfeito!

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