Hoje eu lembrei que sinto saudade

Bicicleta verde no quintal de terra. Rodinhas levantadas, desequilibrio, tombo, joelho ralado. Bronca da mãe no pai. Remorso do pai por ter levantado as rodinhas. Pipoca doce para distrair o ardor do mertiolate. Gargalhadas ao ver o pai tentando reverter a situação toda dançando desconcertado enquanto canta "Se é tarde/Me perdoa/ Pois eu não sabia que você sabia/Que a vida é tão boa".

Festa da primavera na escola. Mocinhas comportadas exibem coreografia copiada da TV. Quinze alunos protestam a proibição de apresentações teatralizadas de trabalhos. Coreografia interrompida. Roupas pretas, rostos pintados de branco, caras de espanto. Rádio tocando alto "Hey, teachers! Leave them kids alone!".

Plantão ao lado do telefone. Barulho dos segundos do relógio da sala. Som do telefone tocando, tremedeira nas mãos, coração saltando no peito. Aquela voz. Poucos minutos depois "tchau" e "um beijo para você". Na cabeça ecoa "E hoje em dia/como é que se diz eu te amo".

Madrugada chuvosa de quarta-feira. Boteco de caráter duvidoso. Cerveja, torresmo, copo acidentalmente quebrado. Frio combatido por um casaco emprestado, filme velho na TV no alto da parede. Discussão sobre Bakhtin. Alguns bêbados cantando "Vem, meu novo amor/Vou deixar a casa aberta/Já escuto os seus passos/Procurando meu abrigo".

Papéis amassados, fotos, memória, poeira. Hoje comecei uma faxina no meu quarto. E lembrei que sinto saudade.

* tem coisas que não dá para ressignificar.

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