Eu não gosto de guardar coisas.
Não guardei os cadernos de escola.
Doei boa parte dos livros da faculdade.
Roupas se vão, assim como passam as estações.
Não sou afetiva com coisas.
Também não guardo mágoas nem rancores.
Claro, não esqueço que um dia eles existiram. Mas faço uma doação do coração para a memória. E o sentimento se torna lembrança que vai amarelando e esfarela com o tempo.
Por guardar o mínimo de passado, me surpreendi com o que acabo de encontrar.
Faxinava minhas coisas, jogando fora contas antigas, boletos, papéis de ofertas, anotações que já não fazem sentido, esvaziando caixas.
Numa dessas caixas encontrei três folhas de uma agenda antiga dobradinhas.
Abri.
São dois textos que escrevi em 1999. Sim, as folhas da agenda são de 1999.
Gostoso reencontrar isso.
É a memória fazendo o caminho inverso da doação: devolvendo ao meu coração todo o calor e o carinho que esses textos podem hoje me oferecer.
Eis os textos:
Sou brasileiro
Sou mulato
Sou do morro
Sou do povo
Sou Tião
Sou que nem peão
Não pego no laço
Mas ganho um abraço
Da morena fogosa
Que sorri quando lhe dou uma rosa
Sou da ginga
Adoro o som de Guinga
Mas a caipirinha me incendeira
Quando ouço o saudoso Candeia
Sou passista
Na corda bamba da vida
Sou bêbado e equilibrista
Sou de fiel
Minha lábia é de mel
Não sou nenhum bacharel
Mas sou o rei do bordel
Sou vermelho e preto
Com todo orgulho: sou flamengo!
No carnaval gingo como mamulengo
Sou verde e rosa
Pela minha mangueira toda prosa
Sou poeta
Sou cantor
Mas não sou bom trovador
Minha rima não é bonita
Mas essa é minha triste-doce vida
Sou carioca
Sou da maloca
Sou matreiro
Graças a Deus
sou brasileiro.
Aquele abraço
Pra você que leu Lair Ribeiro mais de 10 vezes e ainda não chegou ao sucesso.
Pra você que recebeu o 13º num cheque sem fundos e viu o peru de natal virar ovo frito.
Pra você que por algum motivo ontem bebeu a pior cachaça e hoje amargou a melhor ressaca.
Pra você que começou o dia ouvindo o noticiário do rádio e terminou ouvindo um samba da antiga.
Pra você que perdeu a hora, o ônibus, o maço de cigarros e o emprego.
Pra você que espera um dia lindo de sol e calor, mas precisa saltar a enxurrada da chuva forte.
Pra você que poderia maldizer o dinheiro, o amor e a vida, mas entra no ônibus e sorri pro motorista.
Pra você que deixa de ser um para ser vários e soltar o grito na arquibancada.
Pra você que não perde a fé, a esperança e a alegria...
Aquele abraço!
Há 14 anos
4 comentários:
Gostei da primeira poesia. Criada lá nos idos de 1999, tá muito bem contextualizada e identitariamente definida. Roberto Damatta curtiria esse rolê! rsrs.
Essa é a Fer que eu conheço. O mundo clama por mais faxinas! :)
Textos deliciosos! A minha preferida foi "aquele abraço". Sou uma otimista sem salvação! hehehe
1999? Menina prodígio!
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