Eu não sou ambientalista, mas aderi, há algum tempo, aos bons hábitos da vida sustentável. Claro que nem tudo é perfeito, por isso, ainda continuo usando roupas de tecidos sintéticos e consumindo refrigerantes de latas. Contudo, separo orgânicos de inorgânicos – sendo que as latas têm uma lixeira exclusiva, não jogo sujeira nas ruas, economizo água, prefiro os alimentos naturais e ando bastante a pé, pois um veículo a menos emitindo CO2 faz sim diferença.
São hábitos saudáveis os quais pretendo transmitir aos meus descendentes (ou ascendentes) caso os tenha.
Mas, noto que não são apenas papéis, plásticos e latinhas que estão sendo resgatados e reaproveitados. Algumas estruturas sociais também. Observem o cotidiano. Eu, observadora, presenciei algumas cenas nos últimos dias que, não fosse o figurino e a linguagem do roteiro, poderiam ser assistidas como parte de um filme nacional ambientado no século XVI.
Assistam comigo:
São hábitos saudáveis os quais pretendo transmitir aos meus descendentes (ou ascendentes) caso os tenha.
Mas, noto que não são apenas papéis, plásticos e latinhas que estão sendo resgatados e reaproveitados. Algumas estruturas sociais também. Observem o cotidiano. Eu, observadora, presenciei algumas cenas nos últimos dias que, não fosse o figurino e a linguagem do roteiro, poderiam ser assistidas como parte de um filme nacional ambientado no século XVI.
Assistam comigo:
Cena 1: Shopping, manhã ensolarada
Carro semi-luxo entra no estacionamento do shopping/ Mulher, aproximadamente 35 anos, loira, cabelos longos, desce do carro pela porta da frente falando ao celular/ Conversa descontraída enquanto encaixa uma grande bolsa de marca no ombro/ Porta de trás se abre/ Mulher, jovem, não mais que 20 anos, negra, desce com uma mala de bebê/ Há um bebê no carro/ Mulher continua falando ao celular/ Caminha em direção a entrada principal do shopping/ Pára, olha para trás, demonstra insatisfação/ Moça com a mala retira o bebê da cadeirinha com cuidado/ Ele chora/ Mulher desliga o celular/ Diz em tom autoritário
“Que demora. Dá pra agilizar aí!?”
Moça com a mala e o bebê, cabisbaixa, nada responde/ Fecha a porta do carro/ A mulher aciona o alarme e as travas das portas de longe/ Entra no shopping e deixa os outros dois para trás.
Cena 2: Zona sul da cidade, principal avenida, tarde quente
Homem, na faixa dos 40 anos, negro, gari faz a varredura de um dos quarteirões/ Sol quente/ Empurra um carrinho onde guarda a pá e a vassoura/ Pára, pega a vassoura e varre/ Termina de varrer um trecho e amontoa o lixo num canto da sarjeta/ Vira-se/ Pega a pá/ Deposita o lixo no carrinho/ É interrompido por um carro tipo sedan, preto, vidros insufilmados que quase o atropela ao estacionar no local/ Homem grisalho, branco, vestindo terno desce do carro exaltado
“Que porquice é essa? Você é pago para juntar o lixo e não para sujar! Não sabe nem varrer uma rua!?!?”
Gari olha sem reação para o homem grisalho/ Abaixa a cabeça/ Continua varrendo.
O roteiro é de péssima categoria e, salvo engano, foi escrito nos tempos do Brasil colônia e escravagista. Depois, reeditado na república velha dos miseráveis braçais e agora, no século XXI está novamente em cartaz no Brasil da classe média burra e do subemprego.
Assumo, impotente, que faço parte do programa de reciclagem desse roteiro enraizado. Contribuo para a manutenção dessa estrutura quando trabalho com o intuito de fazer parte da “casa grande”. Quando perdou um faxineiro subserviente me pede desculpas por eu ter pisado no seu esfregão. Quando dou moedinhas aos meninos do semáforo com seus limões em malabares.
Embora minha conivência se some à minha resignação, estou cansada de ver esse filme. Dói. Incomoda. Tortura.
Por isso prefiro as latinhas. Quando reciclo contribuo para a preservação do meio ambiente. E isso me dá a falsa certeza de que estou atuando por um mundo melhor.
Os mesmos preconceitos e desigualdades num planeta mais verde com água potável para todos.
Reciclem sempre.
3 comentários:
Eh por isso que te admiro tanto.
Vc eh incrível, perfeita.
Nunca vou te esquecer...
durante a semana eu tinha feito um comentário que o blogger totalmente perdeu. maldita hora que eu resolvi dar uma de webdesigner aqui! hehe
mas o que eu dizia era como seu texto é tocante e o velho clichê de "não dá pra acreditar como algumas coisas continuam acontecendo"!
Brasil, Brasil... tem horas que até a ateia aqui acredita que algumas coisas, só por milagre. (falando do nosso microcosmos, claro. por falta de vivência em outros países me restrinjo)
P.S. (se me permite o desabafo): Anônimo?! Sério?! Vamos lá meu amigo, atitude!!
Meu, muito fóda.
Tá virando clichê essa frase já. Mas não há outra, com tremenda sinceridade.
O fim do texto me soa como uma leve ironia. Agradável, diga-se.
Eu acho que não faz tanta diferença nossa reciclagem caseira. Precisaria acompanhar um caminhão reciclável pra ver onde esse material que a gente separa vai dar. Mas não é por isso.
Não acho que faz tanta diferença porque as grandes empresas, responsáveis pela imensa "parte" da degradação do planeta continuam na mesma. E os países ricos, se recusam a abraçar tratados realmente combativos.
Masssss, a gente segue nessa, crendo que estamos fazendo nossa parte. A coisa é tão séria que quando vc se depara que alguém não separa lixos, dependendo de quem seja, acha o cúmulo.
E é mais ou menos a mesma coisa que, num paralelo:
um trabalhador explorado com a falsa sensação de consciência, entrando no esquemão. Porém, porém, há algumas coisas que não dá pra encarar (ou calar - até quando isso dura, será?), mesmo.
sempre um prazer.
tá demais esse blogue.
bejos.
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