Ressignificando a falta do amor



Esses dias a Fer postou no blog pessoal dela um
texto sobre a falta que faz um amor... Falava de uma maneira brilhante – como sempre, ai que inveja - dos tempos em que a gente sentia isso de verdade. Digo “a gente” porque ela escreveu o tratado, mas eu me senti impressa em todos os caracteres.

Bom... Não estou aqui para ressignificar o texto da Fer, mas sim o não-texto dela, a atitude natural após a constatação do não-amor e a certeza de que ele não chega enquanto a gente estiver procurando: ligar a luz do foda-se e tentar suprir essa ausência com outras coisas.

Ressignificar, no caso, é procurar bons motivos pra ficar solteira.

Vejamos:

1) Sem ninguém pra pegar no pé, você pode se entregar ao trabalho e aos projetos pessoais.

MASSSSSSS... No fim do dia, cansada, estressada, puta da vida, você vai precisar de uma massagem e vai querer alguém pegando no seu pé siiiiim.

2) Você pode sair com os amigos, encher a cara, dançar e cantar sem limitações!

MASSSSSSS... Não vai ser legal dançar e cantar “Você é algo assim, é tudo pra mim, é mais que eu sonhava baby” se você não tiver NINGUÉM pra se recordar nesse momento (estamos falando de falta de amor, ausência absoluta, é isso mesmo: sem rolinho, sem casinho, sem desilusão, sem interesses, sem nada – total inércia afetiva).

3) Você pode ir embora das festas e eventos quando quiser.

MASSSSSSS... Isso significa que você decide se vai ou se fica exatamente por falta de opção. Vai porque a festa acabou ou porque todo mundo começou a se pegar e você não tá com saco pra pegação... Não porque tem alguma coisa mais legal te esperando em casa. E se fica, é porque não tem nada legal te esperando em casa.

4) Você pode ter uma vida diversificada, várias coisas pra fazer, testar, inovar...

MASSSSSSS... Você vai sentir falta de coisas simples, como assistir um DVD de comédia romântica, em casa, no inverno, abraçadinha com o seu amor.

5) Você pode variar a companhia nos seus momentos de carência, não haverá rotina e sua tabela de padrões de comparação vai ficar bem cheia pra determinar como deve ser o homem ideal pra você.

MASSSSSSS... em todos esses momentos, você vai lamentar não ter alguém pra chamar de seu. E quando o amor da sua vida chegar, essa tabelinha não servirá pra porcaria nenhuma.

E isso é só a ponta do iceberg, porque é fácil descrever as coisas que a gente faz, vive e aparenta ser... mas as coisas que a gente sente... ahhh... isso é para raros.

Quando penso em todas essas coisas, imagino aqueles testes psicotécnicos... E me visualizo bem pirada tentando encaixar o cubo no buraco do cilindro.

Não dá, não dá.

Conclusão: Tem coisas que dá pra reduzir, reciclar, reutilizar... mas, definitivamente, não dá pra ressignificar. O jeito é tentar descobrir uma nova matéria-prima.


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Dar solamente aquello que te sobra nunca fue compartir, sino dar limosna, amor
Dar apenas aquilo que te sobra nunca foi compartilhar, mas sim dar esmola, amor


(Corazón Partío, Alejandro Sanz – ai, esse latino lá em casa...)

Prefiro as latas

Eu não sou ambientalista, mas aderi, há algum tempo, aos bons hábitos da vida sustentável. Claro que nem tudo é perfeito, por isso, ainda continuo usando roupas de tecidos sintéticos e consumindo refrigerantes de latas. Contudo, separo orgânicos de inorgânicos – sendo que as latas têm uma lixeira exclusiva, não jogo sujeira nas ruas, economizo água, prefiro os alimentos naturais e ando bastante a pé, pois um veículo a menos emitindo CO2 faz sim diferença.
São hábitos saudáveis os quais pretendo transmitir aos meus descendentes (ou ascendentes) caso os tenha.
Mas, noto que não são apenas papéis, plásticos e latinhas que estão sendo resgatados e reaproveitados. Algumas estruturas sociais também. Observem o cotidiano. Eu, observadora, presenciei algumas cenas nos últimos dias que, não fosse o figurino e a linguagem do roteiro, poderiam ser assistidas como parte de um filme nacional ambientado no século XVI.
Assistam comigo:

Cena 1: Shopping, manhã ensolarada
Carro semi-luxo entra no estacionamento do shopping/ Mulher, aproximadamente 35 anos, loira, cabelos longos, desce do carro pela porta da frente falando ao celular/ Conversa descontraída enquanto encaixa uma grande bolsa de marca no ombro/ Porta de trás se abre/ Mulher, jovem, não mais que 20 anos, negra, desce com uma mala de bebê/ Há um bebê no carro/ Mulher continua falando ao celular/ Caminha em direção a entrada principal do shopping/ Pára, olha para trás, demonstra insatisfação/ Moça com a mala retira o bebê da cadeirinha com cuidado/ Ele chora/ Mulher desliga o celular/ Diz em tom autoritário
“Que demora. Dá pra agilizar aí!?”
Moça com a mala e o bebê, cabisbaixa, nada responde/ Fecha a porta do carro/ A mulher aciona o alarme e as travas das portas de longe/ Entra no shopping e deixa os outros dois para trás.

Cena 2: Zona sul da cidade, principal avenida, tarde quente
Homem, na faixa dos 40 anos, negro, gari faz a varredura de um dos quarteirões/ Sol quente/ Empurra um carrinho onde guarda a pá e a vassoura/ Pára, pega a vassoura e varre/ Termina de varrer um trecho e amontoa o lixo num canto da sarjeta/ Vira-se/ Pega a pá/ Deposita o lixo no carrinho/ É interrompido por um carro tipo sedan, preto, vidros insufilmados que quase o atropela ao estacionar no local/ Homem grisalho, branco, vestindo terno desce do carro exaltado
“Que porquice é essa? Você é pago para juntar o lixo e não para sujar! Não sabe nem varrer uma rua!?!?”
Gari olha sem reação para o homem grisalho/ Abaixa a cabeça/ Continua varrendo.

O roteiro é de péssima categoria e, salvo engano, foi escrito nos tempos do Brasil colônia e escravagista. Depois, reeditado na república velha dos miseráveis braçais e agora, no século XXI está novamente em cartaz no Brasil da classe média burra e do subemprego.
Assumo, impotente, que faço parte do programa de reciclagem desse roteiro enraizado. Contribuo para a manutenção dessa estrutura quando trabalho com o intuito de fazer parte da “casa grande”. Quando perdou um faxineiro subserviente me pede desculpas por eu ter pisado no seu esfregão. Quando dou moedinhas aos meninos do semáforo com seus limões em malabares.
Embora minha conivência se some à minha resignação, estou cansada de ver esse filme. Dói. Incomoda. Tortura.
Por isso prefiro as latinhas. Quando reciclo contribuo para a preservação do meio ambiente. E isso me dá a falsa certeza de que estou atuando por um mundo melhor.
Os mesmos preconceitos e desigualdades num planeta mais verde com água potável para todos.
Reciclem sempre.

Como disse o poetinha...

Tudo bem. Eu não me formei advogada como sempre quis meu pai e nunca aprendi a fazer o risoto que minha mãe insistiu em ensinar, mas ainda assim, acredito que até hoje não decepcionei ninguém. Pelo menos aqueles que um dia criaram alguma expectativa a meu respeito. Claro que os desafetos existiram – e sempre existirão. Seres humanos podem se odiar, mesmo sem uma razão concreta para isso. Por isso, entendam: estou me referindo a quem realmente importa e faz a diferença na minha vida.
E não é porque segui as diretrizes da boa filha, boa irmã, boa amiga, boa cidadã. Se tivesse feito isso, certamente teria decepcionado a mim, frustrado as minhas expectativas. Fiz escolhas e fui fiel a elas. Simples, não? Nem tanto.
Elas, as minhas escolhas – muitas vezes impulsionadas por uma teimosia arrogante e prepotente – nunca foram afronta. Quando não fui ou fiz o que era esperado, não tive a intenção de revolucionar, ser revanchista ou de vanguarda. Eu, apenas, ressignifiquei.
Aliás, nada mais conformista do que ressiginificar. Viver talvez seja uma constante busca de sentido: aquilo que se pode compreender, sentir, razão de ser. Quando não encontrei o significado, perdi a direção e busquei um novo, sem deixar de estar imersa no desconexo. Ressiginificar pode aqui ser entendido como resignação sem sofrimento.
Jogar fora os cadernos do primário, que tanto representam, por falta de espaço na casa; rasgar as fotos de um relacionamento fracassado para tentar romper qualquer elo com o passado; insistir em trabalhar numa profissão pela qual não há paixão, apenas expectativa de lucro; acreditar que as amizades podem suprir a falta de um novo amor...isso tudo não dói. Escolhas que fiz a partir das situações que vivi. Ressignifiquei. Dei novo sentido.
Enfim. O texto narcisista foi para tentar elucidar aos novos leitores o que pode ser o quarto R. Para mim, apenas mais um meio para estar sempre perto dela, aquela que, segundo o Poetinha: é como a pluma que o vento vai levando pelo ar/Voa tão leve, mais tem a vida breve/ precisa que haja vento sem parar: a felicidade.

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