Academia = acefalia?

Já sei, já sei... você viu o título e achou que este texto falaria mal das pessoas que passam horas na academia suando e puxando ferro?

Fique atento. As aparências enganam. Além disso, tudo é uma questão de ponto de vista. Pode depender apenas da calçada onde você está.

De lado, um ponto de ônibus. Pessoas chegando da faculdade, cansadas. Algumas gordas, outras flácidas, magras corcundas. A garota fitness olha pra fora e pensa: “Olha lá... estuda tanto que esquece do corpo... o que adianta ser inteligente assim e ser feia”. Empina o bumbum, dá uma olhadela no espelho, gosta do que vê e continua. Mira ao lado, vê uma aluna recém chegada, padrão mulher brasileira... barriguinha saliente, um culotinho aqui, celulite ali. Sente-se superior. Arruma a postura, lança um olhar de “sou veterana, pode babar” e prossegue na exaustiva missão de se posicionar no mercado como “a mais gostosa” – e apenas isso.

Lá de fora, a pseudointelectual pára e observa... “Cenário insano! Bando de alienados! Eu não tenho tempo pra nada, enquanto essas pessoas desperdiçam horas preciosas nesse lugar”. Olha para os livros, gosta do que vê e continua. Dá uma olhadinha para trás, avista uma amiga de sala, sarada, popular, que também acabou de descer do ônibus. “Burrinha, coitada”. Sente-se superior. Ajeita os óculos, deixa o título dos livros à mostra e prossegue na exaustiva missão de se posicionar no mercado como “a mais inteligente” – e apenas isso.

Engraçado. Não à toa os universitários também são chamados de acadêmicos. Academia não significa nada mais do que “lugar onde pessoas incompletas podem se sentir superiores umas às outras”. Porque é impressionante como muitas pessoas de ambas as academias buscam um motivo pra se sentirem um pouco melhores diante de um certo vazio – seja o vazio da insatisfação corporal, seja o vazio da insatisfação mental.

Felizmente, a grande maioria não está interessada em provar nada pra ninguém. São essas pessoas que eu sinto prazer em conhecer, nas duas academias. Justamente por não serem assim previsíveis, são surpreendentes (Perdoem-me a obviedade dispensável do sofisma, mas não achei mesmo outra maneira de expressar isso).

Dia desses, ganhei um amigo colorista. Colorista, o que é isso? Bom, é a profissão de um manipulador de polímeros pigmentares. Químico? Não, mais complicado que isso. Poxa, mais complicado que química? Sim, isso é possível. Legal, aprendi mais uma.

Subi pra aula coletiva, fui obrigada a presenciar um convite de racha. Eu ali, a mulher padrão Brasil com condicionamento físico razoável. Ao meu lado, uma gostosa inconformada passou a fazer seus movimentos observando os meus, tentando provar (não sei pra quem) que conseguia uma elevação de perna mais acentuada. E enquanto eu seguia tranqüila, me esforçando apenas para cumprir a proposta do exercício, a gostosa parecia uma louca destrambelhada tentando levar o joelho no teto. A necessidade de auto-afirmação lhe custou um papel ridículo. Terminada a aula, deixou o local com os peitos estufados sem dizer nada a ninguém. Nem mesmo agradeceu a professora. Só faltou dizer “Meu nome é Zé Pequeno, porra”.

Desci de novo, pra treinar. Afinal, as pessoas vão à academia pra isso. Certo? Nem todas. Algumas têm aproveitado o espaço pra namorar e beijar na boca. Definitivamente, não consigo entender: Sair do aconchego do lar pra dar uns pegas sob pingos de suor, com beijo salgadinho e tudo. Eca! Coisa mais brochante! Ah, e se eu aviso que está incomodando logo vou ser tachada de mal-amada, que se incomoda com a felicidade alheia. Gorda. Bah.

Me deixa aqui, cuidando de mim. Do meu jeito, meio desajeitada, às vezes persistente, ultimamente meio preguiçosa, em busca de consciência corporal, algo que vai muito, muito além de uma bundinha empinada (que também é bem legal). Não me pressione a ser super mulher, tudo de uma vez. Pode chamar de má vontade, mas olhando bem o panorama, percebi que ser a tal mulher moderna do século 21 é uma tremenda sacanagem, e eu estou bem afim de desacelerar. Moro sozinha, trabalho, me sustento, estudo, cuido da casa, faço bico, freela de qualquer coisa, canto em três bandas, cuido das amizades, da família e das redes sociais, administro sozinha a própria vida sem capital de giro e ainda por cima tenho que me manter alta, magra, linda e morena, com os cabelos sempre bem tratados, unhas sempre bem feitas, além de nunca, nunca falar um palavrão porque é feio? Ah, faça-me o favor. À putaqueopariu.

4 comentários:

Fernanda Miguel disse...

Adoreeeeeeeeeei a parte da bundinha empinadinha, menina! Que loucura! Me identifiquei com isso...hahahahahah
Lindas, magras, inteligentes, boas amantes ahhhhh Caralho!!!! Isso cansa! E tem isso ainda: chique e blasè, sem palavrões. Tomanocu, viu. Concordo com vc: à putaqueopariu tudo isso!
E vambora pro frans pq os subtemas desse texto já foram pauta de muitas das intermináveis conversas regadas a leite, capuccino e pão de queijo. E podem ser outra vez. (TUDO é pretexto pra estar lá com vcs)
;)
bjo nega

Unknown disse...

AMEI Silvia. Tá vendo? Por isso que não posto mais... estar ao lado de vcs duas não é pra qualquer um... :)

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

huahuahuauhauhahuahuahu!
Gostei do seu texto-desabafo... olha, eu faço mais o tipo do carinha q anda com pilhas de livros debaixo dos braços, mas entendo que a saúde é importantíssima e compreendo o quanto é importante fazer exercícios físicos... No momento, infelizmente, deixei de me exercitar regularmente...
Nossa época é hedonista... meus genes nasceram com uma certa propensão para engordar, e eu ajudo. O que importa é vc estar feliz consigo mesma (frase bobinha, mas acho que faz algum sentido) bjos

Mateus do Amaral disse...

Silvia,

Você escreveu tão bem que eu também vou falar um palavrão: este texto é do caralho! Olha, gostei de tudo. Só acho que os vazios que você menciona no texto (o da insatisfação corporal e o da insatisfação mental) têm a mesma natureza. Para mim, eles são um só vazio generalizado, que é natural num mundo tão cheio de possibilidades mas tão vazio de sentido e de calor humano.

Parabéns!

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