De repente, veio aquela vontade de jogar tudo fora. Começar de novo. Do zero. Tirar do caminho todas as coisas que bloqueavam os fluxos, que impediam o trânsito normal da vida, que sinalizavam os obstáculos de cada dia. E assim se fez: faxina geral. Depois de muito trabalho, muita dor e muitas paradas para descansar, o caminho finalmente estava livre. Agora eu passeio entre os cômodos com liberdade, mas a conquista não aconteceu conforme o planejado. O lixo é seletivo. Às vezes, o que está atrapalhando não é nosso, nem por isso devemos dar menor valor. Em outros casos, o que é inútil agora com certeza vai fazer falta em algum momento da vida – é o que pensamos hoje. Para isso, foram criados os quartinhos de despejo, sótãos e porões. Neles a gente joga tudo o que não quer ver. Deixa juntando poeira, traça, cupim. Deixa o tempo se ocupar do que incomoda. Fecha a porta junto com os olhos. E segue adiante, até que a importância de cada objeto morra definitivamente para nós e para o mundo. No meio de tudo isso, havia um ventilador quebrado, carregado de lembranças. Impregnado por noites do calor intenso de uma paixão de verão. E ferido por sucessivas quedas. A eles, eu não dignei nem o quartinho de despejo. Iam direto para o ferro-velho. E ficariam à vista, para que eu não me esquecesse de decidir seu destino em meio a tantas outras coisas mais importantes a fazer. Essas coisas que preenchem ausências como quem troca a bagunça de cômodo, sabe? Eu tinha ouvido o padre falar sobre a beleza da rotina, do esforço para reassumir coisas simples da vida que se tornaram um fardo – como limpar a própria casa, por exemplo. Viver o processo de recolher a sujeira produzida, revivendo experiências e extraindo delas as melhores lições. Ter hora para dormir, acordar, comer, trabalhar, descansar, ou seja, ter domínio sobre si mesmo e sobre o mundo. Tentar, ao menos de vez em quando, não terceirizar essas responsabilidades, para não perder de vista o que você foi, o que você é e o que você ainda pode ser. Eu segui o conselho. Mas conforme as semanas passavam, o ventilador continuava lá, enquanto a bagunça e a sujeira pouco a pouco voltavam a assombrar. Não dei conta. Chamei a diarista pra me ajudar. Quando terminou o serviço, ela veio me perguntar: - Aquele ventilador... Você vai jogar fora mesmo? Por que eu acho que dá pra arrumar. O olhar da Cláudia não era técnico. Era um olhar de misericórdia. Tinha o incrível dom de dar uma chance ao que parecia não ter mais jeito. A começar pela primeira vez que ela aceitou o desafio de limpar a minha casa. Delicadamente, ela acomodou o ventilador no carro e partiu. Com jeitinho, paciência e boa vontade, eu tenho certeza que ele voltará a funcionar para ela. Mas eu o perdi. Agora eu vou tentar conservar o trabalho da Cláudia e as lições que ela me trouxe, já que dessa vez foi apenas um ventilador.
Há 14 anos